Os riscos psicológicos e sociais da gravidez precoce

A gestação na adolescência pode afetar as etapas naturais da vida dos jovens
O desenrolar mais comum da vida é brincar na infância, estudar na adolescência, se formar na faculdade e trabalhar até ter estabilidade financeira para casar e ter um filho. Nem sempre essa é a realidade de todas as mulheres, muitas delas têm o curso natural da vida interrompido por uma gestação precoce.
A cada ano, mais de 500 mil meninas entre 10 e 19 anos têm filhos no Brasil, segundo estudo realizado pelo Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc). É na adolescência que se planeja grande parte do futuro e, quando surge uma gravidez precoce e indesejada, os desafios e as responsabilidades aumentam. “A adolescente acaba pulando etapas naturais da vida dela. Ela não passa de menina para mulher e, depois, mãe, ela pula direto de menina para mãe”, comenta a enfermeira obstetra Ana Maria Brisola.
Em teoria, a mulher pode engravidar a partir da primeira menstruação, pois o corpo já demonstra estar preparado através da ovulação, mas o preparo para uma gestação vai muito além de fatores biológicos e também engloba fatores psicológicos. “É recomendado que a mulher tenha filhos acima dos 20 anos, justamente, pela questão de maturidade e de curso de vida, pois muitas adolescentes tendem a abandonar a escola por conta do bebê”, comenta Ana.
De acordo com o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), 76% das adolescentes que engravidam abandonam a escola e 56% não estudam e nem trabalham. Por falta de escolaridade, as jovens mães são obrigadas a se sujeitar a trabalhos que não trazem uma boa renda para sustentar ela e o bebê. Essa é a realidade de Emylli Louise Steffen, 20, que foi mãe aos 17 anos do pequeno Murilo. “Eu cheguei a terminar o ensino médio, mas por falta de experiência no mercado de trabalho é muito difícil conseguir emprego. As minhas chances são quase nulas quando eu digo que tenho um filho de 3 anos em comparação com outros candidatos que não tem essa responsabilidade”, diz Emylli.
A parte crucial é que a jovem tenha o apoio da família. “O suporte dos pais pode facilitar a adolescente a retomar a rotina de maneira mais tranquila e não se sentir sobrecarregada em cuidar do bebê, voltar a estudar e ter uma condição de vida melhor”, comenta Ana.
Emylli e Murilo Steffen Emylli Steffen grávida
“Quando dei a notícia para meus pais, logo recebi o famoso ‘você estragou a sua vida’, mas eles continuaram do meu lado. Apesar das broncas, me ajudaram com o financeiro e, depois de um tempo, a cuidar do Murilo também”, conta Emylli. A jovem também revela que teve muito medo no início, mas a luta constante valeu a pena. “O sorriso dele e ouvir sua voz me chamando de mamãe me dão forças para nunca desistir”.
Thais Anzolin Soares tem 20 anos e é mãe da menina Laura, que tem 1 ano. A adolescente hoje tem dois empregos para poder dar à filha uma qualidade de vida boa. “A gravidez trouxe várias mudanças na minha vida, uma delas é a falta de tempo”, comenta. “Eu tive sorte, tenho apoio da minha família e do pai da criança. Hoje, moramos eu, Laura e o pai dela”.
Thais e Laura Laura com a mamãe e papai
Por causa da gravidez precoce, Thais teve que interromper a faculdade e, por enquanto, não vê planos de continuar os estudos. “Pela falta de tempo, também reduzi minha lista de amigos. Hoje em dia, vivo em função da Laura, mas não me arrependo”, conta. A adolescente também diz que, apesar de uma rotina cansativa, sente-se realizada de verdade.
Esse período afeta toda a vida de uma adolescente. Muitas meninas, por conta da gravidez indesejada, pensam ou se submetem a abortos, que, geralmente, ocorrem de forma ilegal. Anualmente, acontecem até 3,2 milhões de abortos inseguros em países em desenvolvimento envolvendo adolescentes de 15 a 19 anos. Estima-se que 70 mil adolescentes em países em desenvolvimento morrem a cada ano por complicações durante a gravidez ou o parto, de acordo com relatório do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), agência de desenvolvimento internacional que trata de questões populacionais.
“É preocupante o conflito de emoções que ocorrem durante esse período na vida de uma adolescente. A gravidez indesejada gera conflitos existenciais, a menina se pergunta ‘o que será de mim agora?’. Não há preparos que antecedem o acontecido, como em casos de adultos que planejam a sua gestação”, afirma a ginecologista Sandra Chagas.
A gravidez na adolescência é ocorrência da falta de proteção e de orientação sobre preservativos em conversas dentro do meio familiar e nas escolas. Jovens de 14 anos já tem sífilis, HIV e outras infecções sexuais. “A informação pode até chegar ao jovem, mas eles não têm medo pela falsa impressão de que isso não vai acontecer com eles”, comenta Sandra.
Contando dos casos que acontecem na maternidade em que trabalha, Ana diz que o mais preocupante é a quantidade de meninas de 13 anos com parceiros de 25 anos. “Elas chegam na maternidade chamando por seus maridos, mas menina não tem marido. Nesses casos, nós somos obrigadas a notificar o Conselho Tutelar”, comenta Ana. Outro fator que a preocupa são as adolescentes que por medo não contam aos pais sobre a gravidez. “Uma vez, uma garota deu a luz no PA e foi encaminhada para nós. Por 9 meses, os pais da menina não souberam da gravidez e tiveram um choque quando, de uma hora para outra, viram seu neto nascer”, conta Ana.
Quando as meninas não têm a orientação necessária, acabam engravidando mais do que uma vez. “Já acompanhei casos de mulheres que antes dos 20 anos já tinham 3 filhos. Esses casos são tristes, pois elas não têm parceiro fixo para ajudar e, somando com uma família desestruturada, acabam não tendo condições de criar seus filhos de maneira adequada”, conclui Ana.