Conheça mais sobre a anorexia, bulimia e compulsão alimentar.
A luta contra o espelho
Me olho no espelho e não me reconheço mais. Corpo frágil e pele pálida são resultados de escolhas estéticas e estilos de vida nada saudáveis. São imagens de uma luta interior que tenho todos os dias. Sou uma prisioneira de transtornos alimentares, anorexia, bulimia e compulsão alimentar.
A princípio, tentei controlar meus hábitos para se encaixar em um padrão inatingível de beleza. No início era apenas uma dieta saudável. Mas, gradualmente, o limite entre cuidado e obsessão se perdeu. Cada grama queimada era uma vitória. No entanto, o caminho “certo” é perigoso. Aos poucos, me distanciei dos meus amigos e família. Parei de me socializar e passei os dias assistindo vídeos de pessoas ainda mais “belas”. A anorexia me fez acreditar que o meu corpo me definia como pessoa.
Em meio a esta confusão existencial, decidi lutar. Procurei ajuda médica. Dessa maneira, uma faísca de esperança começou a arder em mim. Parei de usar medicamentos para emagrecer e comia o suficiente para estar saudável. Sem dúvida, foi uma árdua batalha que durou anos e precisei me apoiar naqueles que mais me amavam. Voltei a sentir o prazer de comer. Reconstruí os meus valores. Há dias que as memórias daquela época retornam, mas tento ser forte.
Diversas pessoas com transtornos alimentares vivenciaram estas situações, como a Iara Cristine Meidler, estudante que superou a anorexia, bulimia e compulsão alimentar. Confira o seu caso.
Os transtornos alimentares
Cerca de 70 milhões de pessoas no mundo são afetadas por algum transtorno alimentar, como anorexia, bulimia e compulsão alimentar, segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria. O storytelling acima pode ser fictício, mas retrata a vida de diversas pessoas que tem estes transtornos. A anorexia é o resultado da preocupação com o peso corporal. Os casos aumentaram durante a pandemia, como resultado do distanciamento e reclusão social.
Ao longo dos anos, modelos morreram devido a anorexia. Cerca de 20% dos casos resultam na morte, uma das maiores taxas dentre transtornos psiquiátricos, segundo CETTAO – Centro de Estudo e Tratamento de Transtornos Alimentares e Obesidade da Santa Casa de Misericórdia do Rio. Por conta destas consequências, a indústria moda teve que se reinventar. Nos últimos cinco anos estão sendo vistas modelos plus size — tamanhos maiores, nos desfiles e comerciais de marcas de moda.
A bulimia muita das vezes também é presente na vida das pessoas anoréxicas. São episódios de compulsão alimentar e comportamentos compensatórios. Por exemplo, a provocação de vômito, uso de laxantes e diuréticos para não ganhar peso. Essa bulimina é chamada de purgativa.
Há também a bulimia restritiva, em que são utilizados métodos para diminuir o ganho de peso, como muita atividade física ou jejum longo. Entretanto, cada caso é específico, mas as principais causas da bulimia são a baixa autoestima, abuso, trauma, profissões que visam muito a aparência e fatores genéticos, ambientais e culturais.
A busca por tratamento
O tratamento é diferente para cada um. No geral, é um acompanhamento entre um psiquiatra, psicólogo e nutricionista. De acordo com Marina Goss, pós-graduada em Nutrição Funcional e Comportamento Alimentar, diz que na nutrição comportamental, o foco está em melhorar a relação do paciente com a comida. “Buscamos também que a pessoa entenda que não existe uma alimentação perfeita e que a autoestima não está relacionada ao formato do corpo”, disse Marina.
Já para a psicóloga Naliane Fonseca, apesar dos transtornos alimentares terem causas biológicas, genéticas e sociais, a sociedade potencializa os fatores de risco. Isso se dá por conta dos padrões de beleza criados pelo mundo contemporâneo. Mas, se há alguma forma de evitar os transtornos alimentares, a psicóloga coloca que esse meio é através da procura de ajuda. “A forma de ‘evitar’ é buscar ajuda psicológica sempre que a relação com a comida for negativa e em que houver comportamentos compulsivos”, afirmou Naline.
História dos padrões de beleza
Os padrões de beleza mudam de acordo com fatores culturais, econômicos, históricos e sociais. Os antigos gregos adoravam os corpos atléticos, enquanto os egípcios um corpo linear e simétrico. No Renascimento, o corpo curvado e a pele pálida eram valorizados. Sob o mesmo ponto de vista, na Era Vitoriana, as corsetes foram usadas para diminuir a cintura.
Em contrapartida, na Era Barroca – século XVII e XVIII, na Europa, a beleza feminina eram corpos mais cheios. Estas características eram consideradas símbolos de fertilidade, riqueza e vitalidade. Em 1908, a estátua Vênus de Willendorf foi encontrada, datada cerca de 25.000 anos a.C, representa uma figura feminina com formas robustas.
Atualmente, o mundo está na Era da Magreza, apesar de não ser um sinônimo de saúde.
Moda Y2K e transtornos alimentares
A moda dos anos 2000 — Year 2000 (Y2K), retornou com força em 2022. Em outras palavras, calça de cintura baixa, cropped, acessórios chamativos e barriga à mostra, além da frase Reage, mulher, bota um cropped, ganhando força nas hashtags. Do mesmo modo, o culto a corpos extremamente magros e ossos aparentes. Kim Kardashian, modelo conhecida por suas curvas acentuadas, perdeu sete quilos em duas semanas para o Met Gala e também para se adequar a nova tendência.
Cultura da magreza e os fóruns
O Grata — Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares, notou um aumento na procura por tratamento de transtornos alimentares em 2022. A procura se concentrava entre jovens entre 10 e 18 anos. De acordo com o Grata, o tratamento dura em média de três a cinco anos, quando bem-sucedido e sem abandono.
Apesar do culto à magreza nunca ter, de fato, saído de moda, o retorno dos padrões dos anos 2000 veio acompanhado dos blogs Amiga Mia e da Amiga Ana. Em uma era tão digitalizada, é comum ver blogs, sites ou contas pessoais que exaltam a anorexia e a bulimia, vendo esses transtornos não como doenças mas amigas que podem ajudar no emagrecimento. A amiga Mia faz referência a bulimia enquanto a amiga Ana diz respeito à anorexia.
História da moda Y2K
No início da era digital, o Orkut e o Tumblr eram plataformas muito comuns para se encontrar fóruns. Eventualmente, é possível com apenas algumas palavras-chaves encontrar no Twitter ou Instagram contas que exaltam esses transtornos.
Em suma, os padrões de beleza estabelecidos pela indústria da moda demonstram a necessidade de conversar sobre a forma como a sociedade lida com tais padrões. No ranking mundial de cirurgia plástica, o Brasil está na segunda posição, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, os dados vem da Sociedade Internacional de Cirurgia Plástica. A Sociedade revelou ainda que 86,3% dos procedimentos estéticos são realizados por mulheres.

Como lidar
O primeiro passo é, segundo a psicóloga Naliane, a procura de ajuda profissional. Assim sendo, psicólogo, psiquiatra ou nutricionista. Os profissionais encaminharão para as medidas necessárias e a outros profissionais que auxiliarão no acompanhamento multidisciplinar.
Segundo a psicóloga, é possível perceber alguns sinais que indicam a existência de transtornos alimentares e evidenciam a necessidade de ajuda. Como, por exemplo, a ingestão de muitas calorias em um curto período de tempo, o hábito de esconder comida, perda de peso acentuada, prática excessiva de exercícios físicos e purgação dos alimentos ingeridos.
Caso você ou alguém do seu círculo sofre alguma destas condições, além de procurar um profissional especializado, pode entrar em contato de forma anônima com o Centro de Valorização da Vida (CVV) no número 188 ou conversar pelo chat no site http://www.cvv.org.br/.
Não deixe os padrões estéticos definirem a sua vida.
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