O que é e como funciona o Kyleena, a mais nova opção de DIU hormonal disponível no Brasil

Saiba o que médicas e pacientes falam sobre o novo dispositivo contraceptivo, disponível no país desde maio deste ano

O Kyleena é mais um dos dispositivos intrauterinos (DIUs) que está, a partir desse ano, disponível no Brasil. Sendo um contraceptivo de longa ação, ele foi lançado em maio de 2020 pela Bayer, que também é responsável pelo desenvolvimento do DIU Mirena, seu “antecessor”, lançado há mais de uma década no país.

Segundo a fabricante, o novo lançamento vem para “marcar a evolução de novos métodos que atendem aos diferentes perfis de mulheres”. Sendo assim, ele difere do Mirena em diversos aspectos: seu tamanho é menor (28mm x 30mm); libera menos hormônios (19.5 mg); o tubo de inserção é menor (3,8 mm); e ele possui em seu corpo o anel de prata, que melhora a visibilidade do dispositivo em exames de imagem, como a ultrassonografia.

Diferenças entre o Mirena e o Kyleena | Imagem: Divulgação/Dra. Juliana Ribeiro

O DIU Kyleena possui formato de “T” e é inserido no útero por profissional habilitado, o médico ginecologista. Lá, o dispositivo libera diariamente pequenas quantidades de levonorgestrel, hormônio que espessa o muco cervical. Esse efeito impede a progressão dos espermatozóides na cavidade uterina e, consequentemente, a fecundação dos óvulos. Por isso, sua usuária não necessariamente para de ovular, como acontece com outros métodos contraceptivos, como a pílula. Pode vir a ocorrer futuramente a interrupção da menstruação, que é comum entre as usuárias do DIU Mirena.

Experiências das usuárias: pré, durante e pós inserção do DIU

Primeiramente, é importante frisar que a decisão pela escolha do método contraceptivo deve ser, em primeiro lugar, da paciente. Se há vontade e interesse no DIU ou em qualquer outro produto/método contraceptivo, é ideal que haja comunicação prévia com o médico ginecologista para maiores informações. “O médico nunca opta por um método. Apenas expõe os prós e contras para a paciente e ela decide. Para quem deseja não pensar diariamente na contracepção, o Kyleena é uma opção, pois troca-se a cada 5 anos. Outro fator é sua porcentagem de falha, que só perde para a laqueadura. São várias situações que fazem a paciente optar pelo Kyleena”, afirma Ana Comin, médica ginecologista, obstetra e speaker Bayer.

Todas as mulheres consultadas para essa reportagem foram informadas, em primeiro momento, por seus médicos sobre o Kyleena. Além disso, também usavam pílulas anticoncepcionais antes do DIU.

Nesse primeiro momento, as pacientes têm experiências muito diferentes. Fernanda Attuy, 29, detalha como positiva sua experiência “pré-DIU”: “meu processo [de exames e consultas] foi super rápido e tranquilo. Fiz os exames e a inserção do DIU em 1 semana”. Em contrapartida, Kethelyn Alves, 21, relata o contrário: “considero que, para uma pessoa que não possui um convênio médico, seja muito mais difícil, pois as políticas públicas de hoje não são adequadas. O processo de exames e consultas é bem burocrático”.

Na inserção do Kyleena a paciente conta com algumas opções – sedação, anestesia local e medicação para dor. Ela também pode fazer o procedimento em ambiente hospitalar ou em consultório. Apesar disso, a inserção do DIU e suas incertezas acabam afastando muitas possíveis usuárias. Em geral, por conta da possível dor que pode vir a existir durante o processo. Entretanto, parte das mulheres que já passaram pela inserção dizem sequer ter sentido qualquer incômodo.

Beatriz Fátima Franco, 26, relata sua experiência: “o procedimento de inserção do DIU não foi complicado, tampouco o seu pós. No meu caso, foi um pouco mais doloroso do que o comum porque meu útero é retrovertido (diferença anatômica em que o órgão é formado para trás). Meu médico teve de reposicionar o dispositivo várias vezes para ficar no local correto. Eu tive apenas cólicas intensas no primeiro e segundo dia após a colocação”.

Outra paciente, L. R.*, 19, foi sedada durante toda a inserção do Kyleena. “Eu, na época, não tinha tanto medo da dor, mas vi que seria necessária [a sedação] por conta da posição e do tamanho do meu útero, que é retrovertido e pequeno. O pós foi tranquilo. Tive cólicas parecidas com as menstruais por 2 dias apenas e, depois, passou”.

Os motivos relatados para a troca do antigo método contraceptivo variam: efeitos colaterais negativos; lembrança e responsabilidade constante e contínua sobre o uso; alta quantidade de hormônios ingeridos; e até questões de saúde, como complicações no histórico familiar da mulher relacionadas à pílula.

Por conta da boa experiência de várias usuárias com o Kyleena, o dispositivo acaba sendo difundido e recomendado pelas próprias, que criam redes de apoio e grupos temáticos para compartilhar suas experiências – seja com hashtags em redes sociais, grupos no Facebook ou com a criação de páginas sobre o tema. As mulheres entrevistadas também acreditam numa adesão cada vez maior ao dispositivo intrauterino. “Creio que o uso de DIU no Brasil aumente muito, pois ele dá mais liberdade para as mulheres e é mais seguro que as pílulas anticoncepcionais”, enfatiza Kethelyn.

Com a palavra, as especialistas

Ana Comin e Karina Uhlmann são médicas ginecologistas e obstetras que atendem pacientes na região do Vale do Itajaí | Fotos: Arquivo pessoal

No lado das médicas ginecologistas e obstetras consultadas pelo Cobaia, pontos positivos para o Kyleena também não faltam. Elas destacam o quanto o dispositivo se fez importante para o atual mercado brasileiro de contraconcepção, já que, com ele, há possibilidade de uso por mais tipos de corpos, como mulheres que possuem útero pequeno. Também foi acatado, com o lançamento dele, o desejo de evitar hormônios em excesso, que foi relatado por parte das usuárias entrevistadas.

“Observou-se que não era necessário aquela quantidade hormonal (52 mg de levonorgestrel do DIU Mirena) para anticoncepção. Poderia ser usado menos. Bem como para mulheres nulíparas (que nunca gestaram) e para outras com útero pequeno, o tamanho do DIU Mirena ainda poderia ser um incômodo. Portanto, um menor e mais fino seria uma opção para estas”, destaca Ana Comin.

O mercado de métodos contraceptivos movimenta cerca de R$ 3,2 bilhões no Brasil, segundo a consultoria IMS Health de 2016. É comum, nos dias de hoje, a procura por informações e investimento na contracepção na internet, no círculo social e também no consultório. “A recomendação dos DIUs como contraceptivos de primeira linha por diferentes entidades é cada vez mais frequente devido a sua elevada eficácia e também por apresentar níveis de complicações baixos”, explica Karina Henning Uhlmann, médica ginecologista e obstetra.

Karina aponta que, para possíveis usuárias, os pontos principais que levam à escolha do Kyleena como método contraceptivo são: sua alta eficácia (índice de falha de 0,2% ao ano); adaptação à rotina da paciente (o DIU exige acompanhamento médico apenas a cada seis meses e/ou um ano); sua baixa dose hormonal; e, ainda, menos efeitos colaterais como ganho de peso, diminuição da libido ou mudanças de humor.

Mesmo com tantos pontos positivos, o DIU – seja o de cobre, o Kyleena ou o Mirena – ainda pode ser visto como um tabu pelas pacientes. Ainda há medo, desconhecimento e falta de informação acerca do dispositivo. Aflita da dor na inserção, a mulher pode se afastar de usar o Kyleena. Com a falta de conhecimento de que o método também pode ser utilizado por nulíparas e adolescentes, ele pode acabar por não ser procurado.

Contudo, já foi apresentado em publicações que, tratando da utilização de DIUs em nulíparas, os aspectos como a eficácia, aceitação do método e número baixo/igual de complicações são semelhantes aos de mulheres que já tiveram filhos e inseriram o dispositivo. Foi concluído, então, que não há diferença real no uso do DIU por esses dois grupos.

O DIU como método contraceptivo ainda mais utilizado e conhecido é algo que tanto médicos ginecologistas quanto usuárias esperam ver nos próximos anos. Sua taxa de uso atual no Brasil é próxima de 3%, conforme dados do Ministério da Saúde. A título de comparação, é calculado que ele seja usado por 15% das mulheres ao redor do mundo, e seus maiores mercados são a Ásia (25%) e Europa (17%)**. Haveria, então, uma certa resistência a ele no mercado brasileiro de contracepção.

“Acredito que a utilização dos DIUs como métodos anticoncepcionais esteja aumentando nos últimos anos. Contudo, a crença de que mulheres seriam elegíveis para o uso dos DIUs somente após um parto permanece como a principal barreira para a contracepção intrauterina em nulíparas. A popularidade das pílulas anticoncepcionais, que estão no mercado desde 1961, com uso já estabelecido e com facilidade de acesso e prescrição também são fatores que podem contribuir para a subutilização dos dispositivos intrauterinos”, explica Karina.

Além dos fatores citados pela médica, o senso comum sobre o “alto custo” dos dispositivos hormonais também pode ser um dos motivos de sua subutilização. A longo prazo — baseado no tempo de ação dos dispositivos hormonais, que tem duração de até 5 anos —  o seu valor equipara-se ou é até menor que o custo mensal das pílulas ou outros métodos anticoncepcionais como injeção, anel vaginal ou adesivo transdérmico.

“Observamos também, no cenário atual, um rejuvenescimento do processo reprodutivo. Mulheres mais jovens, entre 15 e 19 anos, passaram a representar 23% da taxa de fecundidade total, ao passo que as mulheres acima de 35 anos representam 11%. Somado isso ao fato de que 46% das gestações não são planejadas, vemos a necessidade de métodos mais seguros de anticoncepção, com menor índice de falha e menos efeitos colaterais. Talvez elucidar os aspectos relacionados à eficácia, aceitação, continuidade de uso, efeitos adversos, dificuldades de inserção e os riscos dos DIUs auxilie numa maior taxa de utilização desse método contraceptivo”, conclui Karina.

* O nome da fonte foi preservado.

**Referências consultadas:

  1. https://www.un.org/en/development/desa/population/publications/pdf/family/ContraceptiveUseByMethodDataBooklet2019.pdf;
  2. https://stories.virtamed.com/iud-trends-protocols-and-uptake-obstacles-across-europe;
  3. https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0010782413007336#bb0005].

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