Moda consumida de forma responsável e consciente

Divulgar onde as roupas são produzidas e adotar medidas seguras e justas para os trabalhadores são algumas maneiras de fazer com que uma marca tenha mais transparência
Quando alguém fala sobre moda, automaticamente o nosso pensamento é direcionado para as passarelas, para o glamour, marcas e modelos famosas. Porém, por trás de toda produção não está apenas a modelo ou a estilista, e sim toda uma equipe que fez parte do plantio do algodão até o último fio a ser costurado. Por muitas vezes, quem produz as roupas vestidas mundialmente está sujeito a condições impróprias de trabalho. Foi para questionar, proteger e lutar por quem está por trás das nossas roupas que surgiu o movimento Fashion Revolution.

“Nós amamos moda. Mas não queremos que nossas roupas explorem pessoas ou destruam nosso planeta. Exigimos mudanças radicais e revolucionárias”. Essa é a visão e o desejo que o movimento possui. O projeto tem o propósito de conscientizar as pessoas, para que ao comprarem uma nova peça de roupa se questionem e questionem a marca, se há transparência, sustentabilidade e ética no trabalho desenvolvido. Gradativamente, essa cobrança está surtindo efeito e algumas mudanças estão sendo notadas nas indústrias e em como algumas marcas se apresentam aos seus consumidores.
Divulgar onde as roupas são produzidas e qual o impacto que os materiais utilizados têm no meio ambiente, adotar medidas seguras e justas para os trabalhadores e conscientizar os clientes são algumas das maneiras de fazer com que uma marca seja mais transparente. Entretanto, esse é apenas o começo. Nem todos os trabalhadores são vistos e ouvidos ou possuem as condições de trabalho adequadas. Por isso o Fashion Revolution luta para que cada vez mais os consumidores apreciem e valorizem as roupas que vestem. Além de levantar o questionamento: “Quem fez as minhas roupas?”.
Exploração
O dia 24 de abril de 2013 foi marcado pelo desabamento do edifício Rana Plaza, em Bangladesh. Nesse prédio estavam localizadas várias fábricas de confecção de roupas e muitos de seus 5.000 trabalhadores enfrentavam situações irregulares e de exploração. O acidente deixou 2.500 pessoas feridas e 1.134 mortos. O Fashion Revolution surgiu com o intuito de evitar que esses desastres se repitam, além de conscientizar a população sobre quem está por trás das roupas que vestem e quais são as condições trabalhistas que enfrentam.
Muitos embaixadores voluntários divulgam a missão e mensagem do movimento ao redor do mundo. Umas das classificações de embaixadores é a de estudante, no qual os responsáveis levam o projeto para dentro das universidades. Este é o caso do jovem de 21 anos Eduardo Cavalli, estudante do sétimo período de Design de Moda da Univali e um dos voluntários em 2019.
O perfil no Instagram (@fash_rev) já possui 437 mil seguidores e, segundo o documento Impacto (um relatório com os números atingidos a cada ano) em 2018, o alcance das hashtags do movimento foi de 250 milhões. Comparado às 3.838 menções com a hashtag #imadeyourclothes, que marcas utilizaram para responder quem fez as nossas roupas, é um número considerado pequeno. Segundo Eduardo, e com base nos dados do relatório, existe um engajamento positivo no Brasil. Em 2016, foram 54 eventos alusivo ao Fashion Revolution Week que ocorre em abril, espalhados pelo país. Já em 2018 houve um salto para 429 eventos.
Isso precisa mudar. Não se pode perder vidas para produzir roupas.
O estudante destaca a importância que esse evento tem em Santa Catarina, já que existe um grande polo têxtil na região. Apesar de nunca ter ouvido falar em condições impróprias de trabalho nas indústrias locais, ele nota que muitas costureiras autônomas recebem pouquíssimo por cada peça feita. O jovem lembra que as indústrias da moda geralmente produzem em países que ainda estão em desenvolvimento para que os custos sejam baixos, o que acarreta em péssimas condições de trabalho, e que seus lucros sejam altos. “Isso precisa mudar. Não se pode perder vidas para produzir roupas.”

Eduardo descreve a sua experiência como voluntário do evento em um misto de emoções e aponta a importância que o trabalho de equipe teve durante o Fashion Revolution Week 2019 na Univali. Entretanto, ele lamenta que o envolvimento da maioria dos alunos, principalmente os que não estão inseridos na área de design de moda, ainda seja baixo. “Na verdade essa falta de engajamento torna ainda mais importante a realização do evento na universidade. É preciso movimentar para chamar atenção e, assim como em outras áreas voltadas para sustentabilidade e mudanças sociais, a conscientização é um trabalho que acontece com paciência e em pequenos passos”, complementa.
Para o estudante de Design de Moda, os problemas de poluição ambiental precisam ser urgentemente resolvidos e a indústria da moda é uma das que mais polui. Para reverter os danos causados, muitas tendências de consumo consciente são lançadas e ter um movimento de alcance global, como o Fashion Revolution, é um grande pilar para reforçar essa questão.
A professora do curso de Design de Moda da Univali Graziela Morelli percebe que apesar de haver bastante eventos em Santa Catarina durante o mês de abril, a maior parte deles ocorre nas cidades que ofertam cursos ou possuem instituições ligadas à Moda e ao Design de Moda. “Considero que onde há grupos de pessoas que pensam em moda e que não estejam, necessariamente, dentro da indústria, isso acontece mais intensamente”, complementa.
As marcas de pequeno, médio e grande porte aproveitam a semana do Fashion Revolution para mostrar que conhecem o movimento e que dão atenção paras as questões levantadas por ele. Graziela percebe que as marcas pequenas, que nasceram com um viés mais sustentável, demonstram uma preocupação mais intensa que as suas concorrentes.
Graças às proporções mundiais que o movimento têm, muitas marcas estão tornando suas condutas trabalhistas mais transparentes e algumas estão reparando seus erros. O que não gera só recursos monetários para a indústria, mas também faz com que os clientes consumam seus produtos de modo mais consciente. A professora Graziela percebeu que as marcas de fast fashion (moda rápida, na qual as peças são produzidas, usadas e descartadas rapidamente) estão demonstrando preocupação em minimizar os impactos negativos que suas produções causam.
O Fashion Revolution também reúne relatos de quem está por trás das confecções de vestuário. Em 2019, uma das ações que o Fashion Revolution Week da Univali promoveu foi a produção de um vídeo, no qual alunos contavam sua relação com alguma peça de roupa. Durante os relatos, é possível entender o afeto e apego que eles têm com suas roupas e em uma das histórias percebemos a relação da peça com a memória emocional e com quem a fez.
Apesar das cobranças dos consumidores por mais ética e transparência no setor da moda ainda não serem uma questão generalizada, as pessoas estão ficando mais atentas ao tema e as redes sociais auxiliam no compartilhamento dos questionamentos. Recentemente, em uma pesquisa local, Graziela Morelli percebeu que apesar de muitas pessoas terem o conhecimento sobre a necessidade de um consumo mais sustentável, poucas levam isso em consideração na hora de efetuar a compra. A prioridade dos consumidores ainda é o preço e o estilo, se nesses quesitos a peça ainda for sustentável ótimo, mas para muitos esse item não é o essencial na escolha do produto.

A professora ainda levanta um questionamento em relação a peças de roupas baratas. “Como pode uma camiseta chegar ao ponto de venda a R$10,00? Pensa quanto cada um que participou do processo – do plantio de algodão, fiação, tecelagem, beneficiamento, modelagem, confecção, distribuição, às vezes atacado e aí chega ao varejo – ganhou. Será que é justo?”
A consciência durante consumo de diversos produtos melhora não só a qualidade de vida dos clientes, como também faz as empresas perceberem que existe demanda para peças sustentáveis. Com cobranças por medidas transparentes, sustentáveis e éticas ganhando força e visibilidade, muitas marcas estão mudando suas políticas e melhorando a qualidade de quem trabalha na produção.
