RPGs de mesa misturam entretenimento e cultura

Jogos como Dungeons & Dragons podem estimular a criatividade de seus jogadores através da leitura e imersão
Estamos a um mês da estréia da terceira temporada de série americana, feita pelo Netflix, Stranger Things, que será disponibilizada no dia 4 de julho de 2019. Os que assistiram temporadas anteriores, devem lembrar que os protagonistas jogam um jogo de tabuleiro onde o vilão é um monstro chamado Demogorgon. O quê nem todos sabem: o jogo é real e se chama Dungeons & Dragons (D&D).
D&D é um role-playing game (RPG), ou, jogo de interpretação de papéis. Nesse tipo de jogo, existe um mestre, sua função é narrar a história para os jogadores. Talhar o enredo, criar e interpretar os personagens não jogáveis, pesquisar referências climáticas, medicinais, geográficas e religiosas nos livros de suplementos de RPG e no mundo real são atribuições dessa figura. Essa matéria busca entender se a prática desses jogos pode ser considerada atividade cultural.

Em todas as fases de D&D, mestres e jogadores desenvolvem atividades declaradamente culturais. Interpretar um personagem é improviso vindo do teatro, dentro das artes ainda, todo personagem para ser vivo, precisa de um jogador para escrever sua história, é literatura. Se o personagem for um Bardo (classe que canaliza seus poderes ao tocar instrumentos), o jogador pode compor músicas para tocar na hora de dramatizar as ações de seu personagem, música.
Para Raule Aquila Assunção, 18 anos, estudante no curso de guitarra do Conservatório de Música Popular de Itajaí Carlinhos Niehues a atividade tem dois lados. Na abordagem sociológica, ela faz parte da cultura Nerd. Do lado antropológico, ela é cultura por si só. “A atividade transmite conhecimento sobre culturas e momentos históricos, mesmo que eles vistam máscaras”, elucida.
Já que se pretende debater cultura, é adequado encontrar uma definição para o termo. Segundo o dicionário Michaelis, o conceito antropológico de cultura é: “Conjunto de conhecimentos, costumes, crenças, padrões de comportamento, adquiridos e transmitidos socialmente, que caracterizam um grupo social”. No entanto, é necessária observação de alguns conceitos adicionais: cultura popular, cultura de massa e cultura erudita.
A atividade transmite conhecimento sobre culturas e momentos históricos, mesmo que eles vistam máscaras.
A cultura popular é o folclore, que vem do inglês folk-lore, que pode ser traduzido como conhecimento popular. São os costumes que foram desenvolvidos e representam a identidade social de um determinado grupo de indivíduos. É passado de forma geracional. Mesmo tendo origens ancestrais através do contato com outras culturas pela internet, meios de comunicação e migrações, está sujeita a mudanças.
Cultura de massa, também chamada de cultura pop, é um gênero que se desenvolve durante a era da reprodutibilidade técnica, ou seja, da reprodução em larga escala. Nesse gênero os produtos são padronizados para serem comercializados imediatamente ao redor do globo. Esse gênero da cultura é passado através dos meios de comunicação de massa (televisão, jornal, rádio e internet).
No presente, o termo cultura de massa é sinônimo para indústria cultural, porém, no século XIX o termo cultura de massa é usado como antônimo para cultura erudita. A cultura de massa, nessa época, é o nome dado para a educação recebida pela população de classes econômicas baixas, a erudita pela elite. O termo foi ressignificado com a ajuda dos meios de comunicação de massa.
De forma antagônica a cultura de massa, a cultura erudita é destinada a um grupo seleto de pessoas que gozam de poder econômico e nível de conhecimento acadêmico maior. O conhecimento erudito requer intertextualidade, ou seja, a obtenção de conhecimentos prévios que contextualizem o novo aprendizado. Nesse gênero da cultura, o conhecimento é passado através do estudo. Exemplos de seus produtos são: artigos científicos e óperas.
Nas palavras de Ariel Marcos Bosi, 24 anos, técnico de sinistros, os RPGs de mesa são uma atividade cultural: “Para jogar RPG, precisamos pesquisar culturas diferentes. Os jogadores precisam entender os motivos históricos das regiões ficcionais para conseguir cumprir os desafios”, afirma.
A atividade apresenta características da cultura de massa, afinal, o próprio Stranger Things é uma maneira de divulgação em veículos de massa. Também tem características da cultura erudita, nem todos tem cerca de R$ 150 para cada livro, sabem ler e interpretar, além disso, a intertextualidade também é um fator presente, a leitura dos manuais de regras é obrigatória e conhecimento histórico do mundo real se faz útil na hora de construir um universo próprio. A matemática básica é um conhecimento necessário, ou seja, desde que a pessoa tenha rudimentos fundamentais em interpretação de texto, escrita e contas de adição, subtração, multiplicação e divisão, o conhecimento se torna acessível.
Para Tiago Ficagna, professor no curso de Design de Jogos e Entretenimento Digital da Univali, dentro da realidade brasileira, RPGs podem ser considerados jogos de cultura erudita. “De maneira geral, o D&D requer um série de informações e conhecimentos que não são da nossa cultura, e que não causa interesse as massas. Mas existe um nicho que é bastante focado nesse produto”, esclarece.