Que a vida no mar não é fácil, muitos já sabem, mas as dificuldades diárias dos velejadores da The Ocean Race são pouco conhecidas. Para vencer a maior corrida dos mares, é necessário ser rápido e em um IMOCA, isso significa menos peso, e menos peso quer dizer abrir mão de certas bagagens. Um dos itens que é dispensado para a viagem é a comida normal, banheiro e o banho também é impensável em alto mar, ainda mais em uma corrida pela sustentabilidade.
Quem contou sobre as diversas curiosidades e experiências no mar foi o experiente velejador Feder. Hoje, ele é responsável pela atração Race Boat Experience na Vila da Regata de Itajaí, mas já atravessou o mundo em um barco a vela. A atração da Vila é um VOO 65, barco a vela utilizado na última edição da corrida, dividido ao meio. No atrativo, os visitantes podem conhecer mais da vida no mar, com um tour guiado pelos voluntários do evento. Embora seja um modelo mais antigo, maior e mais pesado, é um exemplo muito próximo do utilizado nesta Ocean Race.
O IMOCA pode voar pelo mar dependendo do peso, tamanha a tecnologia, mas sozinho pesa seis toneladas, isso sem o motor, vela, quilha e tripulantes. No final da montagem, totalizam-se 12 toneladas e embora pareça um valor alto, não é suficiente para manter o barco estabilizado. Por esse motivo, são necessários três tanques de água salgada acoplados na parte frontal e traseira do barco a vela. Com todo esse peso e o modo de funcionamento do IMOCA, os velejadores devem levar o mínimo de itens na viagem, como roupas comuns, que são dispensáveis. Ao invés de calça, blusa e roupas íntimas, os velejadores usam uma roupa especial, com borracha nas extremidades.

Embora passem 24 horas por dia rodeados por água, os velejadores precisam se hidratar com água potável. Novamente a questão do peso volta à tona e até mesmo por toda logística que seria necessária para levar a água. A solução encontrada pelos engenheiros foi um dessalinizador, um aparelho que extrai a água do mar, filtra, tira o sal e a transforma em potável. O tanque pode armazenar até 80 litros, mas está constantemente funcionando, tamanha a quantidade de água que os velejadores tomam. Após um dia cansativo, com lutas contra as ondas do mar, tudo o que se quer é um banho quentinho. Mas, um banho de ducha de 15 minutos consome 135 litros de água, e seria inviável dessalinizar essa quantidade por velejador. Como eles tomam banho? Com lenços umedecidos, mas a regra é apenas dois por dia para cada tripulante, pensando na conscientização em relação ao lixo.
Um dos itens mais básicos para a sobrevivência do ser humano é também a alimentação, ainda mais para pessoas que se esforçam tanto quanto os velejadores. Como já mencionado, o peso é essencial, então os tripulantes decidiram abrir mão da comida “normal”, consumindo apenas spoon-bowl, a comida de astronauta. O spoon-bowl consiste em um pó saborizado embalado e para prepará-lo basta adicionar água quente. Existem diversos sabores, até mesmo strogonoff, e isso é quase tudo que os velejadores consomem durante os dias no mar. Para o preparo eles usam a “cozinha do barco” um pequeno espaço com dois recipientes que aquecem a água, retirada do mar pelo dessalinizador. Os tripulantes do barco comem direto da embalagem, rapidamente. Mas, em ocasiões especiais, como aniversários ou comemorações, os velejadores tiram de suas bolsas certos “contrabandos“ como mortandela.
No meio do mar dificilmente se encontra sinal de celular, ainda mais no Ponto Nemo, por onde os velejadores passaram, em que se está mais próximo dos satélites espaciais do que de seres humanos. A única forma de contato dos velejadores com o mundo exterior é o satélite e um telefone por satélite, mas onde se tem contato apenas com a organização oficial da The Ocean Race. Conversar com parentes ou amigos? Nem pensar. O celular satélite fica guardado em uma caixa preta para emergências. Mesmo com o celular, ao pedir ajuda em casos de urgência, a equipe pode demorar para chegar. Por isso, cada tripulante tem uma função e especialidade, como consertar velas e até mesmo fazer os primeiros socorros. Isso foi importante no caso da equipe Malizia, que teve um rasgo na vela no começo da corrida e uma emergência médica quando uma das tripulantes bateu a cabeça.