Uma noite de transformação: o teatro na rotina de alunos do Ensino Médio

Ao longo do ano, estudantes do Colégio de Aplicação da Univali ensaiaram para a apresentação do espetáculo que encerrou o Festival Cultural da Univali

Sexta-feira, dia 21 de setembro, 19h30, teatro lotado. Todos os olhares da plateia voltados para o palco, as luzes se acendem. A peça A Megera Indomada começa. Quer dizer, começa não, ela estreia, pois a peça começou mesmo meses atrás, mais especificadamente em maio, quando iniciou sua preparação.

O evento encheu o teatro Adelaide Konder, e a recepção da plateia foi muito positiva. Para o diretor, Gabriel Fidelis, mesmo com experiência nos palcos, a apresentação foi emocionante e chorou três vezes durante o espetáculo, simplesmente por ver a peça tomando forma.

O grupo ensaiou desde maio desse ano e se uniu para a montagem, conciliando os ensaios e os estudos. A apresentação foi a primeira do ator Caio Foresti, de 17 anos. Segundo ele, estar em cena é uma experiência única e a energia que se cria e se compartilha com o elenco é algo muito especial.

A peça é uma adaptação do texto clássico de William Shakespeare, A Megera Domada. A adaptação trouxe o cenário da trama para a época da ditadura militar no Brasil, nos anos 1980.

Essa é mais uma das várias adaptações que a peça já recebeu. O texto original serviu de base para obras como a novela O Cravo e Rosa, de Walcyr Carrasco, e o filme “10 Coisas Que Eu Odeio em Você”, que também inspiraram Fidelis a conseguir criar seu texto. Além disso, o diretor também contou com a colaboração dos atores da peça e de Kássia Salles, colega que o ajudou em questões feministas e de empoderamento, elementos que ele quis trazer para seu texto e para a personagem principal, Catarina, uma jovem forte e muito empoderada.

Com essas ideias iniciais e o empurrão de Kássia em assuntos que, segundo Fidelis, não são seu lugar de fala, ele conseguiu desenvolver seu roteiro, o trazendo para um contexto político, focado principalmente no ambiente escolar e no movimento estudantil.

É de adaptações de textos clássicos e de contos de fadas que provém e se fortalece a literatura para jovens leitores. O diretor da peça e ator Gabriel Fidelis conta que trouxe para seus alunos o desafio de fazer de um texto clássico, algo novo para os espectadores. Além disso, Gabriel diz que fazer um clássico é você trazer toda “aquela expressão, todo o sentimento de uma época passada para os dias atuais” e que sempre esses textos vão ter algo que remeter aos dias atuais.

A partir da escolha do enredo a peça começou a tomar forma. A história adaptada de um clássico trouxe temas atuais como, questões políticas, empoderamento e feminismo para o palco. Depois disso aconteceu a distribuição dos personagens para os meninos e meninas que participam do Grupo de Teatro do CAU, através de um teste onde os jovens deveriam recitar um texto e, com base no sentimento que eles depositavam nele, o diretor, Gabriel Fidelis, escolheu quem interpretaria cada personagem. Passada a fase da escolha do elenco chegou a hora de iniciar os ensaios, que aconteciam duas vezes na semana e duravam cerca de duas horas.

No teatro nem tudo são flores e com essa peça não seria diferente. Do caminho dos ensaios até a estreia houve muitas dificuldades, como controlar a ansiedade, conciliar os ensaios com provas, e, por parte do diretor, compreender o fato de todos os atores serem adolescentes e viverem em uma constante montanha russa de emoções. Apesar de todas as dificuldades, o elenco conseguiu superar e apresentou uma peça que arrancou aplausos e elogios de quem assistiu.

Para Carlos Dalmiro Silva Soares, espectador da peça, uma forma importante de se fazer a releitura é contextualizar para o ambiente atual, como o diretor e os alunos fizeram.

A trama do espetáculo

A trama tem em seu eixo principal a família de ‘’Batista’’ (interpretado por Gabriel Fidelis), militar que cria sozinho suas duas filhas, ‘’Catarina’’ e ‘’Bianca’’, desde que sua esposa faleceu. O clímax do espetáculo se dá quando ‘’Batista’’ descobre que uma das manifestantes do protesto que iria combater (como parte da censura que existia na época), era sua própria filha, ‘’Catarina’’. Após o choque em vê-la em meio ao tumulto, os dois têm uma breve discussão e acabam se reconciliando, quando ‘’Batista’’ aceita os ideais de sua filha que está em defesa da arte.

Com cunho social, a história adolescente emocionou o público presente que ovacionou os atores no fim do espetáculo. Para Luciana da Silva Pereira, mãe de um dos atores da peça, ver seu filho participar de um espetáculo como esse a orgulha muito. ‘’Acredito que é importante para ele participar da peça, pois ele está convivendo com uma realidade social, se empoderando através da arte, melhorando sua desenvoltura e superando a timidez’’.

A aluna Hanna Aparecida Magalhães de Oliveira, que atuou no espetáculo, conta que o momento que mais a emocionou, foi quando ‘’Batista’’ descobre que “Catarina” é uma das manifestantes. “Catarina tinha uma personalidade muito forte, ela cresceu vendo o quanto seu pai se esforçava para criar ela e a irmã, e viu os momentos de fragilidade dele. Foi do pai que ela tirou a força e a coragem de entrar na manifestação”. Hanna conta também que o mais importante de participar da peça foi o espirito de união e persistência.

Estímulo para os alunos

Para começar a fazer teatro, basta querer. Foi o que fez André Victor, 16, assim que surgiu a oportunidade. Ele aguardava o momento de entrar para o grupo e percebeu que fazer teatro é muito mais do que ele pensava. Disse que consegue “sentir a emoção que é viver outra pessoa”.

Além de oportunizar essas experiências, o teatro ajuda no desenvolvimento do adolescente, a expressar suas ideias e a falar em público. O trabalho do diretor Gabriel Fidelis é, através das técnicas cênicas, mostrar que o medo de falar não precisa existir. Luiz Felipe, 17, está no grupo há três anos e começou porque se achava muito tímido. “Após um ano de prática já senti diferença e hoje penso em trabalhar atuando”.

A intenção de Gabriel Fidelis de estimular para a vida por meio do teatro, e abordar de maneira adocicada a realidade, contribui para aflorar o talento dos alunos, prepara o adolescente para as situações da vida e incentiva a expressão do ser.

Para a atriz Julia Jorge dos Santos, 14, o teatro trouxe felicidade até mesmo nos dias mais estressantes, quando sentia-se pressionada, pois sabia que no fim, o prazer de estar em cima dos palcos era maior que todo o esforço por trás das cortinas. Quando está encenando, sente-se em casa, e sabe o que está fazendo. “Só sinto felicidade, inclusive nos bastidores, onde todo mundo trabalha duro por um bem comum’’.

Apesar do frio na barriga no início de uma peça, a adrenalina e a energia que vêm junto no momento fazem valer a pena. “É uma sensação inexplicável”, conta a atriz Mariana Cabral Boneti, 14. Para ela, o teatro é uma forma de expressão, sente-se livre atuando.

Já a atriz Sofia Padilha Coutinho, 16, vibra com a energia da plateia, diz não haver nada igual. “Cada dia sentir-se diferente e poder passar adiante. Se apenas uma pessoa sai emocionada, já valeu a pena”.

Mas engana-se quem pensa que o teatro está presente na vida dos atores apenas em cima dos palcos. Julia fica orgulhosa ao contar, “eu mudei no sentido de ser eu mesma na frente de qualquer pessoa”. Além de mudar sua timidez, encenar ajudou na autoaceitação da atriz.

Sofia diz ter mudado em todos os aspectos de sua vida, é seu maior orgulho e o que mais lhe faz bem. “O que o teatro me trouxe? Me trouxe a Sofia”.

Reflexão e história

O espetáculo apresentado deixou claro as críticas sociais e o valor histórico da obra. Por conta da releitura se passar nas décadas de 70 e 80, a representação tratou de quebrar tabus que eram presentes na época como o machismo e a ditadura. A senhora Iracema Onetti, que viveu esta época e presenciou a luta pelos direitos das pessoas, diz que a crítica é muito importante para mostrar às novas gerações os problemas e os “carmas” enfrentados durante este longo período.

O atual momento que passamos, de polarização de ideias e visões, agrega ainda mais a necessidade de tratarmos assuntos como esses em espaços públicos como o teatro. E assim como disse Luiza Pereira, atriz e auxiliar de direção, o entendimento da mensagem é extremamente importante, assim como a arte. O espetáculo se encerrou com aplausos calorosos e satisfeitos, e o sentimento dos envolvidos de dever cumprido.

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