O poder das mulheres na música eletrônica

Três DJs mulheres brasileiras contam suas trajetórias no mundo da música eletrônica
Os pais influenciam os filhos em muitas coisas, uma delas é o gosto musical. Beatriz Martins, 25 anos, morava em Cascavel e estudava para ser médica, porém não estava se encontrando nesta realidade. Apaixonada por música eletrônica graças ao pais, encontrou um novo objetivo de vida após ir em uma festa no Warung, em Itajaí.
“Eu já gostava de eletrônica, mas o momento em que decidi que queria ser DJ foi no carnaval de 2014”, relembra Beatriz. Naquela noite, no Warung, a garota não imaginava como tudo poderia mudar. Uma DJ, conhecida por Nina Kraviz, balançou a pista e o coração de Beatriz. “Ela tinha uma presença de palco enorme, eu fiquei encantada. Era como se ela fosse a música”. Depois desse acontecimento, a sensação de ser DJ cresceu mais e mais e passou a ser um objetivo.
Beatriz conta que foram idas e vindas até finalmente começar a se dedicar ao seu sonho. Um pulo em Cascavel, um pulo em Itapema, até finalmente cravar as raízes no município de Santa Catarina. Fez contato com vários DJs e estava sempre envolvida com a música eletrônica, pensando durante os shows como tocaria e faria a própria mixagem. Até que começou um curso para aprender a teoria musical. “Fiquei um ano sem tocar, mesmo após terminar o curso. Eu era muito perfeccionista, queria tudo certo antes de começar carreira. Ter meus próprios materiais, meu computador, um nome de artista”, comenta.
Foi só em 2017 que finalmente Beatriz tinha tudo pronto para dar início. Começou a tocar e mandar o material para vários lugares, até que conseguir marcar datas e, a partir daí, tudo se desenrolou. “Foi perfeito”, conta. “Como se tudo tivesse que ter acontecido dessa maneira”. O nome artístico que escolheu, após várias tentativas, foi Blessy. Delicado, feminino e significativo, como descreve a DJ.

Porém, a caminhada não é fácil. Beatriz só conseguiu ter uma renda fixa com a música após um ano e meio tocando. Largou o trabalho que tinha na época e foi viver do som. Tocava de quarta-feira a domingo e, apesar de cansativo, era gratificante. A partir de 2018, começou a produzir as próprias músicas que, de acordo com a DJ, é a melhor forma de divulgar o trabalho e concretizar o nome.
Das coisas que mais ama em trabalhar com a música, Beatriz cita que é ver o público curtindo a playlist, com as músicas que ela produziu, compreendendo os sentimentos que quis transmitir com aquela mixagem. “Sensação de dever cumprido” é a frase que a DJ usa para explicar.
“Ser DJ não é só tocar, é transmitir o que você está sentindo através da música”, compartilha. Neste final de ano, Beatriz irá tocar no Galera’s Bar, em Itajaí, ao lado de Leozinho e Fabrício Peçanha, primeiro time de DJs do sul do Brasil. “Eles tocavam na época que minha mãe ouvia. É um momento emocionante pra mim, porque foi onde tudo começou”, relembra.
Do rock ao eletrônico
Com pai músico, é impossível não se apaixonar pelas melodias também. Porém, Judith Gonzaga, 20 anos, está seguindo um caminho diferente do pai. Ele gosta de rock, ela se apaixonou pela música eletrônica.
Desde cedo, Judith “saia para conhecer o mundo” e aos 15 anos já andava com uma turma de DJs. Passou a se interessar e estudar mais sobre mixagem e, com muito apoio da família e amigos, começou a tocar em festas locais, em Santos (SP), e, em 2019, começou a se apresentar em shows importantes.
“A música eletrônica me faz sentir milhões de sentimentos ao mesmo tempo, um sensação que borbulha por dentro e faz meu corpo se mover sem ao menos eu perceber”, descreve Judith. Para ela, cada música tem uma história e é isso que faz do palco para o público: contar histórias.

A maior dificuldade, de acordo com a DJ, é fazer disso uma renda fixa. Tudo é muito instável, pois alguns chegam ao auge e conseguem muitos trabalhos, porém há outros DJs (e se inclui nisso) que não podem se manter apenas tocando, já que podem passar dias ou meses sem trabalho. “A pandemia é um exemplo. Muitas festas e shows foram cancelados, dificultando nosso trabalho”, conta.
Ela também cita a desvalorização do trabalho como uma dificuldade. No Brasil, a música não tem a devida valorização. Mas tudo é compensado quando consegue sentir a vibração da pista e, lá do palco, vê pessoas dançando. “Sem palavras”, expressa.
Ouça Podcasts da DJ Judith Orion: GOU CAST 09 || JUDITH; Own.Msic Cast 028 – Judith (BRA); e [037] NEST apres.: Judith.
O início da caminhada
A música eletrônica está na vida de Letícia de Souza Pailo desde 2016, quando começou a frequentar festas do gênero, porém só ano passado fez o curso de DJ. Com 22 anos, está completamente apaixonada pelo que faz e não se vê tocando outro estilo. “Pra quem está só começando a trajetória na música, já posso dizer que estou muito satisfeita”, comenta.
Por enquanto, não consegue se manter apenas como DJ – e acredita que poucos conseguem. “Ainda mais nessa pandemia”, desabafa. Letícia ficou mais de seis meses sem poder tocar em nenhum evento e agora, aos poucos, está retornando. Contudo, entre os tantos amigos no ramo que conhece, sabe que é difícil viver da música eletrônica no Brasil.
“Viver só da música é um sonho pra mim… Quem sabe um dia eu consiga”, projeta a DJ. Para seguir na carreira, Letícia dá algumas dicas: é preciso trabalhar sua rede de contatos profissionais (networking), ser uma pessoa aberta, saber se comunicar e, principalmente, fazer as mixagens certas, “já é meio caminho andado”. As maiores dificuldades são fazer com que grandes clubes te conheçam, fazer crescer o nome e criar um público fiel, porém, a DJ explica que isso são coisas que pouco a pouco são conquistadas.

“Eu amo o que eu faço. Ver o público curtindo comigo é incrível”, conta. Os sentimentos são o que ligam a DJ com o público, vê-los se encontrando na música, assim como ela imaginou que seria, “não tem preço”. Receber os feedbacks também é algo que motiva muito.
Relembrando, conta de uma momento especial onde um amigo e maior incentivador, Maylton Tavares (MIIV) a chamou para tocar no Chakra Club, lugar que Letícia guarda no coração, pois foi onde tudo começou, onde aprendeu a amar a música eletrônica.