Mortalidade infantil e desinformação: os perigos do movimento anti-vacina

Durante os últimos anos, com a ascensão de forças conservadoras na política ao redor do mundo, o negacionismo científico se transformou em uma cultura de massa. De terraplanistas a aglomeradores em tempos pandêmicos, um tipo de negacionismo se destaca por ser especialmente perigoso: o movimento anti-vacinas.

História do Movimento

Com início no século XIX, o movimento começou como forma de protesto contra a obrigatoriedade da vacina contra a Varíola no Reino Unido. Caso pais não vacinassem seus filhos, a pena era de multa, e em caso de reincidência elas se tornavam cumulativas. Nasceram então as ligas anti-vacinação nos países que formalizaram a obrigatoriedade da imunização, como os Estados Unidos e o Brasil, onde eclodiu a Revolta da Vacina em 1904.

Charge da revista O Malho, de 29 de outubro de 1904. Oswaldo Cruz, representado em cima de uma seringa com patas, era chamado de “Napoleão da Seringa e Lanceta”. Dias depois da publicação, a Revolta da Vacina tomou as ruas da cidade do Rio de Janeiro. (Foto: Acervo Fiocruz)

Porém, o atual movimento anti-vacina surge nos braços do jornalismo científico, como explica Natiely Shimizu, mestre em Divulgação Científica e Cultural pela Unicamp, em um artigo científico de 2018. “Os grupos anti-vacinas se fortaleceram e ganharam mais adeptos principalmente depois da publicação de um artigo fraudulento na revista britânica Lancet em 1998…” O artigo publicado pelo médico britânico Andrew Wakefield estabelecia uma falsa relação entre autismo e a vacina tríplice viral (vacina contra o sarampo, caxumba e rubéola). Natiely explica que tal relação foi totalmente descartada pela comunidade científica, porém esse boato circula nos grupos anti-vacina até hoje.

O ato da vacinação não se trata apenas de mera formalidade com um carimbo na carteira de vacinação. Imunizar toda uma população ajuda a prevenir e, por vezes, erradicar determinadas doenças. Como por exemplo, a varíola e a rubéola. Contudo, mesmo doenças consideradas “erradicadas” podem ressurgir apenas com o ato da não vacinação, pondo em risco a vida de muitos e colocando em evidência a importância de tomar a vacina. Segundo dados do Sistema Nacional de Imunização, nos últimos cinco anos a taxa de abandono para vacinas como tríplice viral, meningocócica C e poliomielite cresceu em 48%. 

Fake News

Um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Berkeley na Califórnia e da Unicamp entre fevereiro e março de 2020 mostrou que dentre 158 vídeos com mais de 10 mil visualizações analisados no Youtube, 53% argumentam que as vacinas continham ingredientes perigosos, outros 48% defendiam a liberdade de escolha e 42% traziam promoção de serviços de saúde alternativa. Um artigo publicado na revista The Lancet traz que os movimentos anti-vacina, o extremismo religioso e fake news prejudicam campanhas de vacinação em massa e a confiança nas vacinas. 

Os movimentos anti-vacina e a disseminação de medo que os acompanham têm tomado um espaço expressivo na sociedade. Dentre uma lista com as dez ameaças para a saúde, a Organização Mundial da Saúde (OMS) citou a recusa ou relutância para vacinar. Segundo a organização, se houvesse a cobertura global da vacinação 1,5 milhão de mortes seriam evitadas.

Esses movimentos, que põem em risco todo o progresso ao combate de doenças alcançados por meio da vacinação, utilizam-se de argumentos inválidos que já foram contestados e comprovados como inverídicos através de órgãos como a OMS e a Associação Médica Americana.

Cortesia: Free Pick

Ao contrário do que comunidades anti-vacina têm veiculado, as vacinas tiveram um grande e positivo impacto na forma de viver. Os avanços da medicina e a eficácia das vacinas garante o aumento da expectativa de vida. Segundo o especialista em infectologia Pablo Sebastian, as vacinas possuem um papel importante na diminuição de mortes. “O impacto no aumento da expectativa de vida das pessoas se deve diretamente pela redução em mortes evitáveis por vacinas, especialmente na infância”, destaca o especialista.

Queda na cobertura e o medo de vacinar na pandemia

Apesar dos benefícios, a queda na cobertura nacional vem preocupando especialistas e entidades da saúde. Em outubro deste ano, o Ministério da Saúde divulgou que desde 2018 o SUS não atinge nenhuma meta do calendário de vacinas. Para a professora de graduação de biomedicina, Tania Mari Bellé Bresolin, a queda é preocupante pois doenças antes extintas poderão reaparecer. Tania alerta para o perigo que a não vacinação representa. “Teremos um enorme retrocesso no controle da mortalidade infantil e voltaremos a conviver com as mazelas dessas doenças”, relatou a professora.

Recentemente, a pandemia de Covid-19 deixou muitas pessoas em alerta e em isolamento. Há pais que acabaram atrasando algumas vacinas por medo do vírus. Foi o que aconteceu com Patrícia Wisintainer Mafessoli. Mãe de uma menina de 4 anos, Patrícia acabou deixando atrasar uma vacina com medo de expor ela e a sua filha ao vírus. Até antes da pandemia todas as vacinas estavam em dia.

Por mais que o medo permeie o instinto protetor de todos os pais, a coordenadora do setor de vacinas do Posto de Saúde Central de São João Batista, Marcia Bonomini, assegura que não é preciso ter medo quando se está seguindo as recomendações da OMS, como uso de máscara e higienização constante das mãos. A coordenadora afirma ainda que todo o setor de vacinas, bem como o posto de saúde, toma todos os cuidados e medidas de prevenção e higiene necessárias para garantir a segurança da população e dos profissionais do local.

 Arquivo/Nícolas Ramos Silva

Combate a Fake News

Para prevenir a desinformação em relação às vacinas, o Facebook anunciou no dia 3 de dezembro que conteúdos que fizerem falsas afirmações sobre as vacinas contra a Covid-19 serão removidos do Facebook e do Instagram. Essa medida é uma continuidade da política contra as Fake News já existente contra boatos sobre a própria Covid-19. A medida foi responsável por tirar 12 milhões de conteúdos do ar desde março deste ano.      

Brasileiros querem vacina obrigatória, tema já é debate no STF

Uma pesquisa realizada pela Global Health Service com 20 mil pessoas em 27 países ao redor do mundo atestou que 77% dos brasileiros entrevistados são a favor da obrigatoriedade da vacinação contra doenças graves. O Brasil fica em quinto lugar entre as nações que são mais favoráveis a vacina como obrigação, ficando empatado com o Chile. O percentual brasileiro é maior do que a média mundial, que fica em 64%.

No Brasil, a discussão sobre a obrigatoriedade de vacinas já chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF). A relatoria é do Ministro Ricardo Lewandowski e ocorrerá no plenário virtual entre 11 e 18 de dezembro. A ADI 6586, impetrada pelo PDT, pede que o Supremo determine que estados e municípios possam obrigar a imunização na população. Já o PTB na ADI 6.587 pede que essa possibilidade presente na Lei federal 13.979/2020, sancionada pelo Presidente Jair Bolsonaro (que é contra a obrigatoriedade), seja declarada inconstitucional.

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