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A dura rotina dos profissionais de saúde no combate à Covid

Dificuldades comuns na área da saúde, como falta de equipamentos e jornadas longas, se intensificaram com o agravamento da doença no país

Desde a fase inicial do surto do novo coronavírus, profissionais de saúde estão literalmente dando suas vidas para salvar outras pessoas. Medo e incerteza fazem parte do atual cenário que os heróis de jaleco estão enfrentando ao receber os infectados pela Covid-19. A coragem e admiração por eles têm sido motivo de homenagens por todo o mundo, mas, na realidade, esses profissionais têm poucos motivos para comemorar.

Os problemas na área da saúde não são novos. Faltam boas condições de trabalho: as jornadas são muito longas, os salários insuficientes e os riscos muito altos. Com a chegada do novo coronavírus, o mundo finalmente parou para olhar para esses profissionais, que estão se desdobrando mais do que nunca para orientar a população e lidar com um dos maiores desafios na história recente: atuar na linha de frente no combate a Covid-19. São heróis em uma guerra contra um inimigo invisível.

Dados do mês de junho do Ministério da Saúde mostram que 83.118 profissionais da área já foram detectados com a doença. O Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) apontou, também em junho, que o Brasil responde por 30% das mortes de profissionais de enfermagem por coronavírus no mundo. Mais de 200 profissionais morreram por causa da doença. Com isso, o país é hoje o primeiro do mundo com mais mortes de profissionais da saúde, superando Estados Unidos, Espanha e Itália juntos.

O Ministério da Saúde também apresentou dados sobre as hospitalizações desses profissionais durante a pandemia. De acordo com o Sistema de Informação de Vigilância da Gripe (Sivep-Gripe), 93 auxiliares de enfermagem, enfermeiros e técnicos foram hospitalizados devido à Covid-19 no Brasil.

A perspectiva do avanço do vírus está mobilizando toda a população, inclusive instituições e estudantes, principalmente, alunos dos cursos voltados às áreas que estão envolvidos em ações para atender a população. Eles tiram dúvidas e orientam sobre os cuidados necessários para se evitar o contágio do novo coronavírus. A estudante do quarto ano de enfermagem da Unicamp, Fernanda Santos de Freitas, está atuando como voluntária e conta como se sente em relação à pandemia e como sua rotina mudou após o primeiro caso confirmado da doença no Brasil, no dia 26 de fevereiro de 2020.


Expedicionários da Saúde na luta contra o Covid- 19 | Foto: Arquivo pessoal

Por que tantos profissionais se contaminam?

Um dos principais motivos da alta contaminação dos profissionais de saúde no Brasil é a falta de equipamentos de proteção individual, os EPIs. Outra questão é a quantidade insuficiente de itens e a qualidade dos materiais. Por meio de ouvidoria, o Conselho Federal de Enfermagem já registrou mais de 5 mil queixas sobre falta ou inadequação de EPIs no Brasil. Em Santa Catarina, o Coren já abriu 600 processos sobre escassez de materiais de proteção desde o começo da pandemia.

“Estamos trabalhando, muitas vezes, com equipamentos inadequados e sem treinamento”, afirma uma enfermeira ouvida pela reportagem que preferiu não se identificar.

O risco associado à exposição constante ao vírus ajuda a explicar as cobranças dos profissionais por causa da falta desses equipamentos de segurança que são extremamente necessários para eles exercerem seus trabalhos. Isso não acontece apenas no Brasil, mas em todo o mundo. Na França, médicos foram à justiça contra o governo sob acusação de falhas no aumento da produção de máscaras e pelo risco que correm em relação a isso. Já no Zimbábue, enfermeiros e médicos fizeram paralisações contra a falta de equipamentos de proteção em meio à quarentena.

No Brasil, a Associação Médica Brasileira recebeu, de 19 de março a 13 de abril, 3.500 denúncias de falta de equipamentos de proteção individual. Primeiro, vem a falta de máscara. Em seguida, falta de óculos, de capote impermeável, falta de gorro, de álcool em gel 70% e de luvas. Ainda de acordo com o levantamento feito pela entidade, há registro de denúncia em 716 cidades brasileiras de 26 estados e do Distrito Federal.

A estudante de enfermagem da Universidade do Vale do Itajaí, Karina Boing, se manifestou sobre o assunto em sua rede social.

… “que acima de tudo, possamos ter força para lutar por nossos direitos, por um piso salarial justo e com uma menor carga horária de trabalho. Que possamos lutar pela valorização da nossa profissão e que sejamos reconhecidos. Que possamos lutar por mais EPIs, por sala de descanso, por horário de descanso. Que possamos lutar por mais respeito…”

Já outra profissional, técnica de enfermagem, que prefere não se identificar, conta que, por causa da pandemia e falta de materiais, ela evita tomar água e comer durante o plantão.

Vou ao banheiro antes de entrar para trabalhar, não tomo água e passo o período de doze horas sem beber água e sem comer”, afirma.

Ela diz que o risco é grande também por falta de treinamento para lidar com pacientes e também para usar e retirar os equipamentos.

“Também estamos de quarentena, pois estamos num setor do hospital isolado e fechado só para atender pacientes que apresentam sintomas da Covid-19 e isso é exaustivo. Não digo só fisicamente, mas mentalmente também”, comenta a técnica de enfermagem.

Pensando no cansaço desses profissionais, o Cofen ativou um serviço de comunicação para realizar atendimento psicológico aos profissionais de saúde, como forma de tentar minimizar a carga de stress que eles vêm sofrendo nos últimos meses. Consciente do risco a qual está exposta, a técnica de enfermagem Gisele dos Santos está trabalhando em dois hospitais da cidade de Balneário Camboriú, em Santa Catarina.

Gisele dos Santos – técnica de enfermagem | Foto: Arquivo pessoal

Há 16 anos trabalhando na área da saúde, Gisele afirma que esse momento é inédito na sua carreira. Ela fala como foi a experiência após o primeiro contato com um paciente contaminado.

“Eu senti muito medo, mas quando vi o paciente sofrendo com muita falta de ar, o único sentimento que senti foi o de que era o meu dever cuidar dele e nada mais importava” .

O paciente contaminado com o novo coronavírus, um senhor de 67 anos com problemas renais crônicos, estava consciente e com muita falta de ar. Gisele conta que muitos profissionais não estão conseguindo enfrentar o medo e cuidar das pessoas. Muitas estão isoladas na área destinada aos contaminados e esperando por cuidado e ajuda.

“Peguei o plantão por volta das 19h e só então fui até o paciente para iniciar a diálise. Comecei a conversar com ele e perguntei se ele tinha comido, mas me espantei quando ele me contou que estava sem comer desde às 11 da manhã e que ninguém havia ido ver como ele estava”.

Depois de enfrentar dias difíceis no hospital, o paciente se recuperou e recebeu alta. A profissional da saúde teve o prazer de reencontrar o senhor e ver ele bem foi muito gratificante. Ela ainda ganhou um apelido: anjo.

Gisele ressalta que, apesar dos inúmeros desafios que ela e seus colegas de trabalho estão enfrentando, é gratificante ajudar a salvar vidas. “E nesse momento precisamos da colaboração de toda a população, principalmente, em relação aos cuidados de higiene. É um vírus novo e não sabemos ao certo como ele é transmitido e quais os sintomas. O meu maior medo é na hora de voltar para casa. Não quero contaminar minha família”, desabafa Gisele.

A técnica de enfermagem divide o apartamento com o marido, a filha e dois cachorros. A rotina de toda a família mudou. Os cuidados são redobrados tanto com a limpeza do ambiente quanto com a saúde deles.

“O relógio marcava 5h15 quando recebi uma mensagem da minha mãe dizendo que quando ela chegasse a gente já não ia mais poder ficar perto uma da outra e que o cuidado seria redobrado porque ela não sabia mais se estava ou não contaminada. Eu perdi o chão”, conta Ana Caroline, filha da profissional.

Segundo ela, o momento está sendo delicado para toda a família porque, além da preocupação, tem a questão do apoio. Ana diz que é muito difícil ouvir o relato da mãe a cada plantão e não se preocupar. Mas que, apesar de tudo, sente muito orgulho de ter um anjo em casa.

Mas não foi só a rotina da família da Gisele que mudou. Muitos profissionais e estudantes da área da saúde tiveram que adaptar suas atividades por conta da pandemia. A estudante de medicina da Universidade Nove de Julho, Julia Silvestrini, está em casa respeitando as recomendações da Organização Mundial da Saúde.

Julia Silvestrini – estudante de Medicina

#FICAEMCASA

Os profissionais da saúde, por meio das redes sociais, mandaram uma mensagem à população. Em fotos divulgadas na internet, eles aparecem com placas dizendo: “Estamos aqui por você. Fique em casa por nós”.

Equipe da UTI do Hospital Ruth Cardoso – Balneário Camboriú

Familiares também levantaram a bandeira #ficaemcasa. O movimento nas redes sociais pede a colaboração de toda a população para não sobrecarregar as unidades de saúde. Os filhos da Tânia Cleides Fernandes, que é técnica de enfermagem na cidade de Americana, em São Paulo, gravaram um vídeo e colocaram na internet para reforçar a campanha.

Stephania e Douglas

A batalha é coletiva, se cada um fizer a sua parte, nós vamos vencer o novo coronavírus.

Julia Silvestrini – estudante de Medicina

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