Home / Comportamento / Cigarro eletrônico atrai jovens e vira prato cheio para venda clandestina; profissionais alertam riscos

Cigarro eletrônico atrai jovens e vira prato cheio para venda clandestina; profissionais alertam riscos

Para quem usava o cigarro tradicional, uma nova opção em um mercado que, atualmente, é ilegal no Brasil: o cigarro eletrônico. O uso do “vape”, do “pod” ou de outra variação virou uma tendência entre os jovens, principalmente em festas. Para alguns deles, virou uma nova opção comercial, por mais que seja na clandestinidade.

Uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de 28 de agosto de 2009, impede a comercialização, importação e propaganda de quaisquer dispositivos eletrônicos para fumar, incluindo o cigarro eletrônico.

Bianca (nome fantasia) decidiu entrar para os negócios de cigarros eletrônicos quando observou que poderia ser uma oportunidade. Ela considera dois fatores que a influenciaram: lucro rápido e baixo investimento.

A opinião dos amigos também contou na hora de decidir que iria começar a vender os dispositivos. Bianca detalha que têm amigos que fazem consumo de cigarro eletrônico rotineiramente, e os palpites contribuíram para a entrada no mercado clandestino.

“Existem vários tipos de cigarros eletrônicos, desde recarregáveis até aqueles que só dá para utilizar uma vez. Há vários modelos e marcas, e isso interfere bastante na compra. Os maiores critérios são a marca e a duração a longo prazo. Tem algumas marcas que queimam muito fácil e o gosto não é tão forte”, conta.

Pelo comércio ser ilegal, a nova atividade econômica esbarra na dificuldade de conseguir fornecedores. Ela detalha que, por exemplo, o valor de compra para posterior revenda em Santa Catarina é mais alto.

No Paraguai, país em que a venda é legal, a compra para posterior revenda esbarra em outras questões, como o risco de ser abordado pela alfândega. Bianca detalha que, nestes casos, é necessário ir até o local e a compra não pode ser feita em alta quantia.

“Cheiro e gosto atrai muito”

Afinal, o que tornou o cigarro eletrônico a menina dos olhos, principalmente para os mais jovens? Bianca comenta alguns dos fatores que levaram ao aumento da busca pelo produto nos tempos recentes.

“Acredito que o motivo que atrai é a questão da praticidade. As vezes, em festas, as pessoas podem levar [os dispositivos]. Não é como um cigarro normal, em que é proibido em eventos. A questão do cheiro e do gosto atrai muito também, por isso que há diversos sabores, para agradar o paladar de qualquer um”, diz.

Consumidora de cigarro eletrônico há um ano, Mariana (nome fantasia), de 22 anos, começou a notar alguns problemas de saúde com o uso. Ela começou a fumar o dispositivo para substituir o cigarro normal, e teve a curiosidade despertada graças a pessoas ao redor dela que usam.

“Eu fumava cigarro e achava horrível o cheiro. Eu odiava que o cheiro ficava nas coisas e em mim. O cigarro eletrônico foi uma alternativa de continuar fumando, porque eu gosto do ato de fumar, e não ficava cheiro. Isso foi o que mais me incentivou a querer trocar o cigarro normal pelo cigarro eletrônico”, comenta.

Uma pesquisa da plataforma Covitel, divulgada pelo portal UOL em abril de 2022, aponta que pelo menos um a cada cinco jovens de 18 a 24 anos é usuário de cigarro eletrônico no Brasil. O percentual é de 19,7%. 

Entre os problemas de saúde que notou, Mariana comenta que passou a ter mais dores de garganta, tosse e pigarro (irritação na garganta), além de alterações na voz, ansiedade e dependência. “Não deixa de ser algo relacionado à saúde”.

Um dos modelos do cigarro eletrônico. Foto: Thiago Facchini

Ilegal, mas sem fiscalização

Mariana avalia que a praticidade contribui para o crescimento do negócio de cigarro eletrônico. O fato de não gerar cheiro e não ter risco de incêndio como um cigarro normal e, conforme Mariana, não precisar de um “segundo item”, como isqueiro, também ajuda.

“Acho que o motivo de ser tão procurado é pela liberdade e facilidade de poder usar e fumar em muitos lugares em que o cigarro normal não pode ser usado. Por exemplo, se estou em uma festa e quero usar o cigarro normal, preciso ir até o fumódromo. Com cigarro eletrônico, não precisa fazer isso”, avalia.

Mesmo sendo um comércio proibido, ela detalha que não tem dificuldades para comprar os dispositivos. Em julho de 2022, a Anvisa se reuniu para decidir sobre a regulação do cigarro eletrônico e manteve a venda proibida, além de defender a fiscalização. Conforme os relatos, não é o que acontece na prática.

“Desde que foi criminalizada a venda, não mudou muita coisa. A venda é como a de um cigarro normal, de fácil acesso. É fácil de comprar, em qualquer lugar e com qualquer pessoa. Lido com isso da mesma forma que eu lidava com a compra do cigarro tradicional”.

Riscos à saúde

A comunidade médica enxerga com olhares de preocupação o número de pessoas que aderiram ao cigarro eletrônico. De acordo com a médica pneumologista Renata Viana, são inúmeros os riscos que envolvem o uso dos dispositivos.

“A primeira preocupação da comunidade médica é o altíssimo risco de dependência, devido à presença de nicotina dentro das essências desses dispositivos eletrônicos para fumar. Muitas vezes, no rótulo, está escrito: sem nicotina. Na realidade, porém, o líquido contém nicotina, sim”, diz.

Ela alerta o risco de dependência principalmente quando se trata de usuários com cérebro em formação, como crianças e adolescentes. O uso dos dispositivos, segundo a médica, causa danos à saúde respiratória e também pode gerar doenças crônicas, cardiovasculares, pulmonares e câncer.

“Algumas substâncias do cigarro normal e do cigarro eletrônico são semelhantes, incluindo a nicotina, que gera a vontade de repetir o uso. Há também carcinógenos semelhantes, além de substâncias desconhecidas presentes no cigarro eletrônico, que não se têm estudo se elas podem gerar risco a curto, médio ou longo prazo”. 

Ela recomenda que os usuários suspendam o hábito e, para quem já tentou e não conseguiu parar de fumar, a recomendação é procurar um profissional que trate de vícios para auxiliar no processo de abandono do cigarro eletrônico.

“É necessário observar o uso cada vez mais presente do cigarro eletrônico”, recomenda. “Irritabilidade, redução da concentração, perda de memória, náuseas e ansiedade quando percebe que está sem o dispositivo por perto estão relacionados à dependência da nicotina”, completa.

Por fim, Renata afirma que há necessidade de procurar um médico em casos que são notados sintomas como pigarro, resfriados ou gripes frequentes, tosses persistentes, dores no peito e falta de ar.

Embalagem do cigarro eletrônico. Foto: Thiago Facchini

Danos psicológicos

O uso frequente dos cigarros eletrônicos por parte dos jovens pode ser explicado pela necessidade em ser “aceito”, segundo a psicóloga Ana Mofardini. Ela explica que mesmo tendo o conhecimento de que determinado hábito é nocivo à saúde, como fumar os “vapes”, os adolescentes usam como forma de camuflar a insegurança e a baixa autoestima. 

“Eu costumo chamar esse tipo de hábito de anestesia da vida, eu faço aquilo achando que eu to me anestesiando de alguma forma, estou tentando curtir e tentando achar que aquilo vai me fazer bem mas é só uma anestesia”, relata.

A psicóloga expõe que a procura de uma rede de apoio é crucial para quem deseja largar o vício. Segundo ela, é necessário buscar pessoas com bons hábitos. Além disso, refletir profundamente o motivo do desejo em largar o vício e substituir por hábitos saudáveis. 

Os nomes da vendedora e da usuária de cigarro eletrônico foram omitidos pela reportagem de Cobaia, tendo em vista que a comercialização é ilegal, respeitando o sigilo de fontes garantido pela Constituição.

Marcado:

Deixe um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *