Santa Catarina e Brasil no cenário competitivo de E-Sports

Os E-Sports são o cenário e palco competitivo dos jogos eletrônicos, com diversas modalidades como FPS, MOBA, Battle Royale. E com jogos como Counter-Strike: Global Offensive (CSGO), League of Legends (LoL), Fortnite, além de outros que assim como os citados se encaixam nessas categorias ou em suas próprias. A indústria de “games” é uma das que mais cresce no Brasil e no Mundo. Os E-Sports são uma extensão disso, constituindo o ambiente de competição desses jogos.

O setor possui um amplo crescimento, com uma legião de fãs ao redor do globo, os e-Sports ganham cada vez mais destaque. Das menores regiões a gigantescos países, os jogos estão se tornando parte da cultura geek e conquistando cada vez mais popularidade.

Seu lugar no futuro é certo, almejando quebrar grandes tabus dentro da sociedade mundial. Um exemplo seria participar das olimpíadas, ideia defendida pelo Presidente da França, Emmanuel Macron, país que será a próxima sede das festividades berço dos esportes.

Bruno Luís Pereira, ex-apresentador do Omelete e Editor-Chefe no portal Mais Esports, acredita que essa área ainda deve expandir, pois as novas gerações já estão muito conectadas à internet. Isso torna mais natural o acesso e o contato com os jogos eletrônicos. “É um pulo muito menor do que conectar com diversas outras coisas e modalidades do esporte tradicional, por exemplo”, comenta.

O jornalista acrescenta que com uma base de fãs constante e crescente as empresas investem mais nos cenários, o que aumenta a infraestrutura e proporciona cada vez mais profissionalismo. “É uma coisa meio cíclica mesmo, sabe?”. Quanto ao cenário brasileiro, ele comentou sobre o debate estar em alta, e acredita que com o avanço de novas tecnologias possamos mitigar um pouco nossa diferença em relação ao resto do mundo, mas que é um problema sistêmico brasileiro.

Apesar do progresso promissor, o Brasil possui muitos desafios a serem enfrentados e superados para dar um próximo passo em direção ao futuro, principalmente quando se fala em infraestrutura, desigualdade social, desvalorização da moeda local e as barreiras do tamanho continental de nosso país.

Zoom out

Com uma quantidade total de cerca de US $70 milhões de dólares já distribuídos em premiação, os principais jogos de cada modalidade contam com uma base sólida de jogadores mensais. Segundo dados de 2021 do E-sports Charts, League of Legends possui cerca de 115 milhões de jogadores (sem contar a China, principal país do jogo). Já o CS:GO possui 11,5 milhões, e o Fortnite cerca de 22,5 milhões de jogadores mensais. Vale lembrar que essas modalidades não se limitam a esses jogos, e possuem outros milhares de jogadores que se espalham em outros e-Sports.

Final Worlds, campeonato mundial de League of Legends. Campeonato foi disputado nos Estados Unidos e no México. Foto: Reprodução Riot Games

No cenário competitivo, uma pesquisa feita em 2022 pela Betway Insider e divulgada pela SBT Games, mostra que existem mais de 10.000 profissionais de e-Sports. E pelo menos há 8.900 deles atuando entre LOL, CS:GO, Dota e VALORANT. Os países que mais geram esses atletas são Suécia, Estados Unidos e China. O Brasil possui destaque como terceiro no CS:GO, com quase 200 jogadores profissionais atuando na área, 16 a menos que os norte-americanos.

Na economia, o setor de jogos eletrônicos é promissor. Com um faturamento de US $1,1 bilhão de dólares, possuiu um aumento de 14,5% em relação ao ano passado. Também foi um dos setores que menos sofreu com a pandemia, registrando queda de apenas 1,09%. China e Estados Unidos também protagonizam esse setor no cenário internacional. Com o aumento da modalidade, a previsão é que o faturamento chegue a US $1,6 bilhão de dólares até 2024.

No Brasil, a indústria está em fase de expansão e movimentou mais de 10 Bilhões de reais em 2021. Com crescimento de 169% no número de estúdios dentro de 4 anos, esses dados refletem diretamente no cenário competitivo dos jogos eletrônicos, que é intrínseco a cada modalidade e ao setor. Nosso país também deve apresentar um aumento de 16% ao ano na audiência, impulsionado por canais tradicionais como ESPN e SporTV. Os dados são da Consultoria Alvarez e Marsal.

Não só a receita  deve aumentar, como também o número de jogadores e entusiastas, nos quais atualmente está em cerca de 474 milhões de pessoas ao redor do planeta. Esse número deve atingir 577 milhões em 2024.

O cenário competitivo no Brasil

Seguindo a tendência do resto do mundo, as modalidades que mais se destacam são as mesmas, com um asterisco em especial para o FPS, onde o Brasil é multicampeão em diversos jogos, como em CS:GO, Rainbow Six Siege, Crossfire, VALORANT entre outros.

Chegando a ser chamado de “País do FPS”, lugar onde os jogadores de futebol que em parte influenciam e representam a imagem do país tanto internamente quanto externamente, possuem contato direto com esse meio. A exemplo do meio campista da seleção brasileira Casimiro, que possui sua própria organização, a Case e-Sports. Ou o craque Neymar, que divulga em suas redes sua torcida para a organização FURIA e-Sports, também brasileira.

Neymar Júnior em suas redes sociais, demonstrando apoio à organização FURIA e-Sports. Foto: Neymar Jr. – Reprodução/Twitter

Já entre os jogos, o cenário de League of Legends é o mais sólido no país, com um sistema de franquias concreto, times parceiros e grandes patrocinadores como a MasterCard, KitKat, Heineken 0.0 e Banco Santander. Junto do CS:GO são os jogos mais tradicionais do Brasil. Apesar deste segundo não ter um espaço consolidado em nosso cenário, os fãs nunca deixaram de se fazer presente e demonstrar apoio ao jogo no país.

Aqui entramos em um ponto diferente dos esportes tradicionais; os jogos não são de domínio público, pois pertencem a grupos e empresas, portanto sua gestão também depende dos mesmos. Isso explica o porquê do LoL possuir um cenário consolidado e desenvolvido no Brasil e o CS:GO não, mesmo que ambos tenham quantidade semelhante de suporte e fãs no país.

A estrutura e desenvolvimento do cenário competitivo de cada jogo depende exclusivamente da empresa que o gere. As ligas de League of Legends ao redor do mundo são majoritariamente fechadas, apenas competidores daqueles países podem disputar suas próprias ligas (com exceções para importações de jogadores), e a própria empresa dá suporte e estrutura para os times se desenvolverem.

Já as ligas de CS:GO são abertas, cada time e organização tem sua própria responsabilidade, e os campeonatos são terceirizados por outras empresas que cuidam dos eventos, como a ESL, BLAST, CBCS e outros.

Nesse segundo caso, é mais comum cenários hostis para países em desenvolvimento que estão longe do polo Europeu ou estadunidense, como o Brasil. Aqui, organizações precisam investir um aporte maior para poderem disputar e participar nos palcos dos principais eventos. Em troca recebem pouco ou nenhum suporte da empresa responsável pelo jogo.

Mudança de cenário

Entre outubro e novembro de 2022 aconteceu o Intel Extreme Masters: Major Rio, o evento mais importante do calendário de CS:GO, que foi sediado no Brasil. Primeira vez que o nosso país recebe um evento deste porte por parte desse jogo, exemplificando o pouco caso com a comunidade brasileira.

Post após final na Jeunesse Arena, Rio de Janeiro – Foto: @ESLCS via Twitter

Jairo “Foxer” Junior é publicitário e atua como repórter pela página de notícias The Enemy, também trabalhou cobrindo este campeonato. Ele acredita que esse evento tenha sido um divisor de águas para finalmente colocar o Brasil no mapa competitivo do jogo, e que com a repercussão e sucesso do festival, cada vez mais grandes eventos virão para cá. “A própria IEM já anunciou retorno para cá em 2023 e pode ter certeza que em breve outros anúncios, de outras competições e organizadoras, vão pingar por aqui também”, comenta.

O repórter também acredita que as dificuldades que o Brasil possui em relação ao cenário internacional se dão pelo seu tamanho continental e pela desvalorização do Real. Em conversa com a produtora, a ESL, lhe foi informado que o nosso país ainda é um mercado a ser explorado, com muita procura e pouca oferta, e isso ficou claro com a realização deste evento.

Apesar da criação e execução do cenário competitivo depender da empresa responsável, há fatores geográficos e sociais que inviabilizam a democratização dos jogos eletrônicos, assim como a realização de um cenário mais extenso e competitivo no Brasil.

Destaque de Santa Catarina

A Região Sul pode dizer que já foi bem representada pela organização Liberty, sediada e criada com o nome de Havan Liberty na cidade de Brusque, com início em 2018. A equipe catarinense possuía um projeto ambicioso e um alto investimento. Disputou campeonatos de nível nacional em diversos jogos e modalidades, como League of Legends, Valorant e CS:GO, com equipes masculinas e femininas em destaque.

Conta com uma das melhores estruturas do país, com nutricionistas, psicólogos, treinadores, equipe neurológica, entre outros profissionais para capacitação dos atletas. Segundo Sid “Sidde” Macedo, ex-treinador e coordenador das equipes da modalidade de FPS da Liberty durante dois anos, a estrutura da equipe é uma das melhores do Brasil em termos de desenvolvimento profissional e pessoal dos atletas.

“Em comparação a outras organizações do nosso cenário, o foco direcionado à equipe de saúde e trabalho interdisciplinar se sobressai e possibilita que os atletas sejam desenvolvidos por completo com a atenção de diferentes áreas e cuidados da staff. Não é comum termos, no Brasil, profissionais da saúde e uma staff voltada para performance no corpo técnico das equipes. Enxergo esse como o principal diferencial da Liberty”, disse o ex-técnico da equipe.

A organização brusquense chegou a se classificar para um campeonato de nível mundial, que aconteceu em Berlim, na Alemanha, no final de 2021. A classificação para o Valorant Masters Berlin foi a maior conquista da organização sulista, que foi uma das representantes brasileiras no campeonato mundial de Valorant.

Havan Liberty em suas redes sociais após classificação para o campeonato Mundial de Valorant, Master Berlin. Foto: Divulgação Havan Liberty

Cenário competitivo de Santa Catarina nos e-Sports

Nosso país possui dimensões continentais, porém não corresponde como tal. Tendo apenas um grande polo tecnológico, as competições de jogos eletrônicos e organizações que buscam espaço no cenário de e-Sports tendem a ir para São Paulo. Além dessa centralização e da desigualdade social, que inviabiliza o desenvolvimento de cenários competitivos fora dessa região, não há empresas ou concorrências fora de São Paulo para viabilizar essa decisão. Dito isso, Santa Catarina não possui nenhum ecossistema competitivo de relevância regional ou nacional, em qualquer modalidade, ou jogo que se apresente

O que há por aqui, e independe de grandes organizações ou empresas, são campeonatos e competições menores para promoções de marcas e estimulação de público local. Também se faz presente os e-Sports universitários, organizados pelas universidades regionais.

A Liberty, por exemplo, estimulava o cenário universitário e local, cedia treinadores e organizava campeonatos, a exemplo deste segundo, o ACE. Um campeonato escolar municipal que reunia equipes dos principais ensinos médios da cidade e contava com premiações e participação dos seus jogadores profissionais. Também participou ativamente em times universitários da região,  por exemplo, a atuação e parceria com a FURB e-Sports no ano de 2020.

Em 2017, seguindo a movimentação de outros times como Flamengo, Corinthians, Atlético Paranaense e Goiás,  o tradicional time catarinense Avaí entrou no cenário competitivo de e-Sports em parceria com uma organização amadora de Florianópolis. Apesar de atualmente não se ter mais notícias sobre o time formado entre o Avaí e a então Jimmy E-Sports, a organização chegou a participar de diversas modalidades e jogos na época.

Mesmo com essas movimentações, o cenário de Santa Catarina ainda se limita ao universitário, que não possui tamanho, força ou investimento para sair de trás das barreiras de suas respectivas universidades.

Centralização e migração da Havan Liberty

Isso se deve à centralização dos E-Sports no Brasil, como mencionado acima, que tende a acontecer em São Paulo, o maior polo tecnológico do país. Esse fator, junto com a oportunidade de adquirir uma vaga nas franquias de League of Legends no Brasil, levou a Havan Liberty a deixar Brusque e migrar definitivamente para SãoPaulo. Anunciando consigo, um dos maiores gaming office’s da américa latina, com cerca de 2.400 metros quadrados, que deve abrigar toda sua estrutura e investimento nos próximos anos. Elevando também o nível técnico das organizações de e-Sport no Brasil.

Paulo Renato “Raven” Almeida Dimas é um português que trabalhou como treinador da principal equipe da Liberty de League of Legends entre 2019 e 2020. Com experiência competitiva em outras regiões como Turquia, Áustria, Portugal, Espanha e Itália, para Raven, a descentralização dos E-Sports no Brasil é possível, porém seria necessário uma reformulação dos cenários competitivos.

“Acredito que num futuro de 10 anos seja possível, mas não para já” – comenta. Para ele, os campeonatos devem ser feitos por região, a exemplo da European Regional League (Campeonato de segunda divisão de League of Legends da Europa), assim a descentralização aconteceria.

Porém, o treinador não acredita que somente a articulação e o correto desenvolvimento do cenário competitivo seja a solução. “Mas ficam outras questões importantes para responder, e que atendem às necessidades do país. Como se movem os espectadores para esses eventos? O preço do bilhete será acessível? Quantos jovens têm acesso a um computador decente para jogar? Quantos jovens no país têm o privilégio de se poderem dedicar aos e-Sports? Isto porque sem jogadores não se fazem equipas, e sem equipas não se fazem campeonatos” – conclui o português.

Santa Catarina, Brasil e o mundo nos E-Sports

Não há também expectativas de cenários competitivos se concretizarem ou desenvolverem fora de São Paulo tão cedo, apesar dos anúncios de novos investimentos que virão para cá nos próximos anos, todos devem permanecer no eixo Rio-São Paulo.

O que não deixa de ser uma cenário otimista para o Brasil, que começa a se ver e ganhar visibilidade no cenário internacional devido a esses investimentos. Com cada vez mais representatividade, voz e atenção para uma comunidade tão forte e que se faz presente em tantos jogos e modalidades diferentes. Como brasileiros somos apaixonados por tudo o que fazemos, seja no futebol ou nos e-Sports, merecemos torcer e participar da festa que são os esportes, sejam tradicionais ou eletrônicos.

Já os e-Sports como um todo, no mundo, precisam quebrar muitas barreiras para continuar se desenvolvendo. Desigualdades sociais, extrema pobreza e preconceitos, são aspectos que atrasam e atrapalham o desenvolvimento desse setor. Isso não anula o futuro grandioso, influente e cada vez mais comum que os e-Sports terão no mundo, porém o desenvolvimento desse setor deve contribuir para combater esses aspectos negativos. E que através dele seja possível cativar e manter vivo o fogo que os esportes tradicionais trouxeram e ainda despertam nas pessoas.

Deixe comentário

Seu endereço de e-mail não será publicado. Os campos necessários são marcados com *.